quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Corredor ... Era um paranóico. Havia Transcendido quase todos os limites do bom senso. Caso psiquiátrico. Mas vá lá o incauto perceber! Já não dormia sem a ajuda de calmantes, e escondia no bolso superior do paletó uma pequena chave de fenda. Arma branca pensava. Naquela tarde nublada atravessara três avenidas inteiras rumo à ciclovia. Cortaria caminho e ganharia tempo. Era pontual! Olhava com freqüência para os lados respeitando o torcicolo crônico que a essa altura respondia por alcunha autorizada e nome próprio. Sapatos engraxados, terno aprumado. Acreditava poder esconder por trás do tecido sofisticado, anos de paranóia, aglomerada. Não era grande o sujeito, nem pequeno. Perdera os óculos quando não pôde mais conter o surto de tics. Piscava com rapidez e chacoalhava o pescoço como passista de escola. Sofria de alguma coisa que não entendia, e às vezes, era melhor assim. Adaptara-se a miopia e achava sexy aproximar as pálpebras com ares de japonês, para eventualmente enxergar o número da condução. Tangenciando a lagoa respirava um pouco mais aliviado. Alcançara o primeiro objetivo e a travessia havia sido normal. Nada de abordagens desagradáveis ou atropelamentos. Sentia uma estranha sensação de dever quase cumprido quando percebera movimentos constantes, rumando direto a sua direção. Apertou o passo e avançou. Precisava ser astuto. Com rabo de olho identificava a distância aproximada e tentava dessa forma manter-se fora da rota de colisão. A chave de fenda comprimida permanecia entre os dedos, no bolso, em punho. Sacada deveria num derradeiro momento; Somente... Os passos se tornavam mais largos. Sentia! O vento corria a favor e isso era bom. Ao mesmo tempo tinha a certeza de monitorar odores como um animal. Percebia uma real aproximação que não poderia acontecer. Por trás da vista falha um sexto sentido prenunciava a tragédia. Suas pernas! Contaria com elas! Fugira dele mesmo uma vida inteira e isso era muito. Poderia correr até cansar o inimigo. Tinha massa corpórea menor e seria desvantajoso o confronto direto... Subitamente seus instintos de aranha o levaram a perceber que não se tratava de um indivíduo apenas, mas uma quadrilha! Revezavam-se, trocavam de uniforme, preparavam o inevitável. Sua estratégia teria sido percebida, e se multiplicavam, aceleravam. Por vezes disparavam... A essa altura o cara já apertara o passo ignorando o solado de couro e outros poréns. Tinha medo moderno de não acordar. Bufava, corria como quem buscava o último fio de rastro. Corria, corria... Corria. E após inúmeras voltas, sem perceber a ciclovia, suando potes de adrenalina salgada, adentrou o prédio ignorando moradores, corredores, elevadores. Morava no trigésimo andar. Esfuziante, possuidor de uma energia cósmica, transtornado, voara pelas escadas do térreo até a porta do vizinho que não estava. Após arrombá-la, de cócoras, escorou a porta e esperou clarear. Era mais seguro... Poderia ter alguém na sua casa!