sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Mãe // Deus presenteara minha mãe com uma miopia mega, seguida de significativa quantidade de estigmatismo. Defeito de fábrica para justificar uma peculiar leitura da vida, que simplesmente acontecia, e mais tarde viria a entender.
Muitos anos depois reverteram sua doença em mais de noventa e cinco por cento. É mestre, trabalha a energia através das mãos. Acalma e observa. Músculos, comportamento, formato de ossada. Olhos de raios-X numa tradução quase Braile. Também é doutora em literatura com médias excepcionais! Lera e se formara com olhos de cego, e lentes imensas. Depois, enxergaria até demais...
Embasaria de informação a prática de um universo ao qual se atiraria. Inteira! E lá se iam mais da metade de uma vida. Um invólucro recheado de altos - muito alto! - e lutas...
Mas existiram anos cujas dificuldades provinham de outras histórias, falências e relacionamentos mal desfeitos com suas porções de tristeza e seqüelas. Consegui de alguma forma fugir da própria sombra, e chorar junto... Lágrimas de mãe... Sobre toda austeridade de meu pai, me defendi. Sem jamais calar o que considerava justo abortei minha quilometragem para entender o que carregava. E me protegia atrás dos versos; escritos não pagavam contas, mas valiam ouro. E me tranquei num mundo vazio para desanuviar de tudo. E... Daí! A quem poderia interessar da onde... Venho?
Continuo escrevendo e permanecerei crendo que todo procedimento artístico tem sua parcela de alforria, apesar da renda também fazer parte do processo. Sou um sonhador! Fazer O que?
A “esbórnia” durante uma quadra de tempo acalentara meu fardo; dela supri todo plantio. E puni minha alma durante anos como quem compromete a existência em nome de percepções e da própria tradução turva das coisas comuns. Produzi espetáculos em botequins. Inventei e vi personagens que não conhecia e olhavam acima dos óculos. Uma deselegância única, talhada em mesa de jantar, escola particular. Quantos professores daquilo que nunca quis para ninguém!... Simulando o que não desejava, observando em silêncio e aprendendo com relacionamentos errôneos, vazios. Aprendi que a essência é perfumada e vil...
E percebia o que se sabia. Ninguém tira sujeira encruada em poro de burro velho. Tão pouco se ventila paisagem para quem viveu menos tempo. Estrada para andar, passar, ou desviar. Sinalizar, a certa altura tornara-se quase um assalto intelectual. São caminhos e precisavam ser pisados. Se eles realmente não sabiam o que estavam fazendo, ou, o que fazer... Perdoa...
Não sabiam das mãos de minha mãe e o que era aquela energia. Aliás, pareciam não entender nada sobre assunto algum. Nem de livros!... Há certo altruísmo em desuso e, se não me engano, tão pouco fora sorteada a miopia da família. Mas ando mesmo pessimista... Achava estranho, pois tive tudo, absolutamente tudo o que aquela arrogância insistia em desfilar. Era como se pisassem um tapete vermelho que nunca existiu. Almejar na cor, o que era absolutamente remediável a textura. Lamentável!
Pensava naquelas pessoas e na notícia do jornal que anunciava uma nova ordem editorial para simplificar a palavra escrita. Como se as preces emburricadas daqueles passantes fosse ouvida. Mal sabiam falar! Abastados e indigentes! Eram maltrapilhos da língua, bem vestidos, de exigência envelhecida, ultrapassada!
Qualquer coisa como super-homem sem hífen e h. Imagina, meu! Acredito até que a doutora em literatura esqueceria num hiato único toda a tradição de paz e interiorização, e sucumbiria a verborrágico e fulo discurso se visse a estampa de tal atrevimento!... Mas acontecerá...!
Existiam modas e termos que índios e negros carregaram até a cova. Era desrespeitar a história de cada, e somente aos fatos, se remete a língua e seus porquês. O resultado de uma matemática gramatical inteira adulterado pela nova desordem.
Valham-me deuses e todos os santos. Perdoe essa turba! Não sabem da energia. Não são uns filhos da mãe... Eu sou!
Ler batendo palma...
Ladainha de Capoeira
Na Bahia quem sabe eu seria
Um mestre cantador
Que conversa com caboclo
No movimento do tambor
Manda dizer lá no terreiro
Nas ruas do Rio de Janeiro
Na roda ninguém tem mais dinheiro
E o respeito é o direito de se impor
Aprendi “nuns” minutos da sua hora
Mandei a tristeza embora, Conheci outros mestres
E o respeito que carrego
É como roupa que veste
Gira mundo que gira
Esse jogo é pra rezar
Pastinha virava cobra
Bimba chamava pra lutar
Se alguém pedia pra São Jorge
Ou pra dona Iemanjá
Era o berimbau senhor
Repetindo sem parar
Capoeira é velha senhora
Sabida da vida e do arreio
Voa bonito, voa feio
Feito sapo ou planador
O homem colando os pedaços
Do que o negro costurou.
Capoeira é velha senhora
Sabida da vida e do arreio
Quer dizer mato rasteiro
Quer dizer arma de guerra
A liberdade suada
A saudade que se encerra.
Se as folhas secas se vão
Porque a terra ampara e transforma
Em mantimento que entorna
Pela flora todo tempo
Pela vida, feito formiga
Reiterando o movimento
2x Andei, andei, andei, Andei, andei, andá
Peço licença meu povo, Capoeira vai passar.
Palmas continuam...
Bimba se mudou pra Goiás
Pastinha morreu sem academia
O acervo dos ancestrais
A Bahia não sabia
Que na projeção do mundo
Seria parte da nossa língua
O pé roçando o vento
O corpo em movimento ainda
Mesmo que não parecesse
Possível homem voar
o céu é de passarinho
O chão de quem sabe jogar.
Andei, andei, andei, andei, anda
Peço licença meu povo
Capoeira vai passar.
...Vai silenciando aos poucos, baixinho... Até o próximo conto...
domingo, 20 de fevereiro de 2011
O Jornalista e o General //
Passamos à vida contando e ouvindo histórias. Muitas vezes não me lembro bem a fonte, confesso. E sobre a veracidade dos fatos, nem sempre conseguiria provar. Mas é curiosa a crônica e sua necessidade quase humana em emergir. Algumas dessas narrativas valem ser repetidas, mesmo que acrescidas de suposições, ou retalhos de informação. Então, lá vai uma dessas que vale reinterpretar.
Data do término de uma dessas guerras americanas. Era ano de Vietnã, festivais e protestos vindos de todas as partes do planeta... E batiam em retirada finalmente convencidos, invasores e suas bandeiras.
Durante todos os anos de confronto, um hotel servira de embaixada comum a profissionais da imprensa e diplomatas e grupos específicos. Quase sempre coligados aos direitos humanos... E um jornalista de nacionalidade não lembrada, aguardava os acontecimentos, tomando diariamente um Dry Martini, preparado pelo barman do salão principal.
... Ainda me lembro das imagens aéreas de poucos recursos, e das bombas de Napalm, que espalhavam estilhaços de fósforo branco e queimavam ininterruptamente. Depenavam árvores melhorando a visibilidade. Pele, tronco, carro. Tudo! Diziam que se apagados os resíduos químicos, em instantes reacenderiam. Como velas de aniversário modernas, que enchem o bolo de perdigotos.
Que invenção é essa? Ou, que inversão é essa! Muito tempo despendido depois, e a ignorância repetida, sofisticaria armamentos de tal forma, que transformariam em passado tal artefato... Bom, alô, base, câmbio...
Ao fim da barbárie e anunciada a debandada, todos observavam a movimentação da capital, Saigon. A retomada do centro por inimigos, ou amigos quase invisíveis, era significativa. Como sempre, pagou-se o preço até a penúltima bala. O prato degustado frio. Paisagens de cinema puído, com fundo vermelho de sangue filmado... Retornemos ao jornalista que embrenhado ao resto dos demais percebia ao longe certa algazarra.
Imediatamente se antecipa quase despencando do parapeito e se posiciona na mesma janela que durante todos aqueles anos contornara a haste dos óculos. E a procissão se aproximava. Com seus heróis ovacionados da batalha terminada.
Não interessavam as franquias estrangeiras. A comemoração em nome da liberdade condissera com cada metro quadrado de euforia, sempre.
Sabe... Sou escritor, e bala... Só de leite...
Mas todo mundo ansiava por saber. Ainda não eram tempos de internet. Eis o ponto! Esse é o motivo de todo este conto...
Acenando da caçamba de um jipe, vestindo uniforme da mais alta patente, o mesmo minguado e sorridente... Barman!
É caríssimo! As mãos que serviram por trás das atividades daquele salão de hospedagem, rasuraram mapas da frente e ordenaram o tabuleiro vivo de xadrez. Traduzindo; eram dados colhidos num salão ocidental. Abarrotado de representantes da imprensa e membros do alto escalão e, principalmente... Informações.
Um fluxo tão grande delas, que permitiria durante todo trabalho, apontar ouvidos, colher e imperar manobras de guerra.
Quem diria (!)? Depois de muitas talagadas, falava-se muito...
E diziam que a bebida do cara era ótima... Um general!