terça-feira, 18 de agosto de 2009

Favelinha de Papelão... // Um release... // Conheço um sujeito tição. Um armário! Tem cor de piche e coração largo. Era jogador de futebol, depois virou artista. Refazia o que os outros jogavam fora, detalhando estruturas de papelão. Pitoresco um cara daquelas medidas trabalhar com tamanha delicadeza. Aprendera o ofício como brincadeira de pai. Criar objetos, casas, cidades inteiras, através do que seria dispensado. Reciclagem? Não! Era a substituição da forma original por outra. A miniaturização do contorno. Não seria alumínio prensado, mas o endereço que aquela forma pudesse sugerir. Fogão de botão, escada de tampinha, fio de barbante. Sem falar das aranhas, fundamentais nos processos de acabamento... Bom filho de Xangô, mora numa casinha cheia de plantas e conhece bem seus fundamentos. Sempre fora justo e merecido o que a vida aprontava. Era generoso e professorava suas descobertas. Estivera na Alemanha, França, perto daqui e longe à beça... Certo dia, durante uma oficina, conheceu um menino que tinha apelido... Para nós, Fininho. Imagina...Garoto do movimento, prostrado sobre a laje, de sol a sol, armado para defender o ponto, ligado pra não esquecer da hora. Certo dia; de um dia incerto, perdeu os fios do ponteiro e adormeceu. Deu bobeira! Acordou com uma bala de fuzil atravessando a perna. Dali pro xadrez, fiança estipulada. Não tinha dinheiro não, dizia. Se ficasse devedor nunca mais sairia dessa perdição. Só de asas. Ou pro fundo da cova... Nove meses depois, bate na porta de muleta, e o quilombola, com faro de cachorro velho, não poupava palavras; - Tu tá na lama, etc e tal. Ex – detento, não tem curso superior. Se quiser, aqui tem teto e prato de comida. Me ajuda no trabalho que a gente divide o ganho. Tu vai aprender a ser artista e monitorar os meninos nas oficinas... Procurou a mãe de santo junto com o garoto. Senhora pequena, de olhos tortos, quase cegos. Morava na ladeira e enxergava com as lentes de Deus. Seria dela a explicação. Era paga de outra vida. E Palavra pra Xangô é coisa muito séria. E isso não se discute... Soube depois que o negão fizera a produção da abertura de uma novela das oito. A favelinha de papelão ganhava o mundo. E o menino franzino, aluno dedicado, que batera na porta e já não usava, binárias muletas, começou suas micro construções. Primeiro uma favelinha, e depois outra e outra... Fora para a grande São Paulo com a sua comunidade de papelão. Sábio aprendiz! A grande capital também se curvara aos pés que caminharam na cadeia e queimaram sola em laje de morro brabo. Todos eles têm o meu respeito. E isso é coisa de homem, e não é pouco! Xangô, Trono de uma justiça divina, com certeza se orgulha desse filho... Fininho certa vez me falara de suas duas meninas. Queria uma vida melhor para elas. Duvido que não, meu amigo. E chorei lágrimas de quem também morreu de orgulho... A vida ficou melhor e o menino crescido, que ainda responde pela alcunha magra, passou pelo catálogo do MASP... Também “num” é pouca coisa não...