domingo, 20 de setembro de 2009

Cidadezinha // Era pequenininha. Muito! Um valezinho que surgia depois de quarenta e quatro quilômetros de serra em ziguezague. Herança escrava de outro século. Casas desiguais, de todo tipo. Algumas de azulejo, outras de tijolo. Nada combinava com nada, afora antigas construções quase sempre caindo, ou restos de uma ferrovia que o tempo não carcomeu. Conheci pessoas que não queria, ou não sabia delas. Sempre a palavra comedida com gosto doce de chuva, e o amargor de uma radiografia desfigurada. desfigurada. Com o tempo a maior parte da mata nativa havia sido devastada, transformando o topo das montanhas em cabeças raspadas de capim verde amarelado. O ar respirava granja, e o vento sambava o cocuruto, promovendo o maior festival de moscas que já vi. Resumindo: no intuito de ‘’tocar’’ uma rádio comunitária, selei um pacto com aquele lugar. Posteriormente, nascera minha filha. Lá! Tão longe do mar... O segundo, meu menino, carioca, levou o mar que a outra aprendeu a amar... Amar o mar... Entorta a porta João! Com jeitinho de surfista e um sotaque, que já nasce moldado à língua inglesa. Se crianças quase sempre nos surpreendem, o que pais dirão de filhos... Mas... Voltando ao assunto... Percebia aos poucos, que me pegava à toa pensando naquele lugar. Que não eram as pessoas que estavam erradas. Apenas pensavam de outra forma. Eram outras as subjetividades. Somente! E via casas que se pareciam, e aquelas semelhantes que vieram anteriormente destoando à paisagem. E não eram apenas nuvens de mosquitos, que nós chamamos de moscas, ou cheiro de galinha, e odor de carniça. Há pouco inauguraram uma livraria! Quantas cidades não as têm? Dor lacônica de uma educação depreciada, no ventre da máquina que governa sem educação. Mas, páginas comprimidas, encapadas e disponíveis em prateleiras me levam a crer que... Há vida inteligente em marte! Se não era compreendido, também pouco tentava entender! Finalmente, percebia o quão equivocado poderia estar: as montanhas sempre estiveram ali, por todos os milhões de anos de sua existência. Se alguém se aproximou, com uma viola e boas intenções, fui eu! Talvez pagasse o pato de outras gerações. Só vinga quem é da tribo! Burro quem não percebe isso nesses interiores. No mais, respeito de nômade. De quem pisa sabendo que pode voltar... Chega de culpa! Culpados, culposos, e todas as variantes. Seria a dor insana de uma ditadura Curda, ao contrário! Não iriam alguns mil habitantes historiar sobre quem durante décadas cresceu com o mar. Diga-se de passagem, um exemplo feliz mediante aos efeitos estufa. No entanto respondo a questão. Se poderiam falar? É claro que sim! Por que o longe daqui também o será, para quem não é... Desse lugar. Há diferenças, e isso define as tradições e a riqueza de um povo. Os costumes... Bons e maus... Costumes... Um exemplo: diariamente são comunicados aqueles sobre o falecimento de conterrâneos através de caixas de som acopladas a cúpula de uma igrejinha turbinada, construída e dimensionada, para gigantes de muitos metros. Proporções nababescas para uma mediana baixa estatura que nem por isso diminui... Continuando; Morreu, virou notícia! E sabendo o nome do defunto, correm conhecidos e quase todo mundo, para dar os pêsames e se empoleirar na casa desamparada... Com direito a mesa enfeitada e muita bebida! Nunca entendi a relação da morte com a barriga cheia, mas transformar a missa em festa é o maior barato! E indiretamente, é o que acontece e o que se faz nos terreiros, barracões, entre budistas etc... Festas, festas, festas... Ou talvez, almejando dimensionar o entendimento... Comemorações!... Se tanto alguém chorou por mim, só com alegria posso justificar. Senão, porque pregaram o cara numa cruz? Tanto sofrimento! E era o cara! Talvez não concordem com isso, mas quantas cidades não são assim... Outro dado creditado aos anos de convivência é uma total ausência de perdão na atmosfera local. Isso dói! Não há abstração! Crescem templos e vão-se as leis. Ali, o rancor dura décadas e é passado de geração para geração. Cultuado e irrigado diariamente... É, tô Falando daquele perdão munido de sinceridade, que mais parece emergir do rompimento de uma placa tectônica, submarina, que faz chorar por último... Nada de um e noventa e nove! Mas falar de profundidade longe do mar, às vezes é muito complicado... Não há nexo... Sou carioca sabe! Mas aí penso na livraria e que há vida inteligente. Retornarei ao bucolismo do início da narrativa para me render ao fato de que também sou um pouquinho de tudo aquilo. Com uma mania desenfreada de querer burlar costumes e sugerir o que ninguém pediu. Estou aqui, mas quando penso nos meninos, que é quase muitas vezes todo dia, estou lá. E quando esfria no Jardim Botânico, novamente... Da mesma forma me pego confundindo oceanos com montanhas capadas de árvore, ventando num fim de tarde. Indiretamente, homenagens prestadas. Falar do outro não seria louvar? Senão, passava despercebido... Definitivamente, mergulho nos acontecimentos... Mas por precaução, meto a sunga no bolso e vou correndo para Ipanema, antes que um acaso qualquer perpetue uma nesga de alteração e venha a me esquecer da minha genealogia... E achar que queijo coalho possa combinar com goiabada...! Para Maria Fernanda e João Gabriel...