sábado, 5 de junho de 2010

Paralelamente, era formatado o homem prometido, mestre na manipulação das ferramentas delicadas, um pajé da alopatia moderna. Dono da cura, de um pomposo diploma, segundo testemunhas oculares que trajavam uniforme branco, exímio cortador de peles, tecidos e órgãos. Extirpava a descrença e quase não falhava. Orgulho nacional de uma sucessão esperada. Enfim! Haveria uma continuação. Mas os palcos e sua dedicação maldita. Tanto insistiu que surgiram oportunidades. Aqui e lá fora. Poderia guinar o destino no compasso da idéia. Poderia! Mas tinha suas fraquezas. Senzala de família que se confundia num vocabulário muito particular. Calado. E a lavagem vinha desde cedo, quando ouviu sem se lembrar que nascera para a clausura de um hospital. Praga covarde, que ofertava futuro bem remunerado. E no berçário choro é manifestação do primeiro sopro e nunca protesto indolor. Era convite de prefeitura. Terra pequena, mas de prosperidade. Longe à beça, e possivelmente, único cirurgião. Dinheiro forte pra gastar com poeira. Apostavam os mais velhos em boa economia, extrações de apêndices, pequenas suturas, e por vez ou outra um caboclinho arrebentado num destes acidentes de notícia. Mas não queria. No fundo sabia de si. Era um artista! Médicos fazem arte e colhem aplausos. Mas não seriam aqueles há enaltecer os anos e recordar a existência. Lamentava não ter investido nessa idéia de palcos e picadeiros, e calçadas e toda sorte de público! Iria Contrariar as expectativas da família. Mas... O que são os laços de sangue! Deus pai! Desenrolam e embolam todo o carretel das possibilidades. Quase sempre a preocupação desmedida com um futuro já resolvido, custeado, em nome da prole, torna-se o passaporte de teorias psicanalíticas e lugar garantido no divã. Tinha a plena certeza, e assinava embaixo. Prefeririam um maluco de branco, aos movimentos silenciosos, dignos de poucos. Afinal, se talento fosse coisa à toa, seria produto de supermercado ou importadoras... E arte ainda era, ali, sorte de quem não caminha... Pensava na cidade pequena, que tinha rio, pracinha e coreto. Quermesse e festa para santo padroeiro... E a boca muda, sem sorriso amarelo, tremia ao gosto da primeira lágrima salgada daquele dia. E olha que foram muitas. Talvez mais água que o rio pequeno da cidade menor ainda... Mas era difícil pensar que poderia ser, ou até, ter sido outra coisa. As horas despendidas, todas as madrugadas inteiras contornando pilhas de livros e toda sorte de informações sobre o assunto. Parecia tarde demais para uma reviravolta profissional. Algo que transformasse tudo. Que mudasse em definitivo o rumo dos acontecimentos. E pensava no pai e sua pompa, no orgulho matriarcal que tingia os olhos de prata... Do exemplo que se tornara para outros de mesmo sobrenome. Tudo o que viesse a representar não estancaria a dor de não poder calar a voz para gesticular o tempo, suas andanças. No fundo era um palhaço que não falava. O verbo silencioso do caminho de cada um... E no caso do rapaz, viver a existência escolhida. Pronto! Começara a chorar novamente... E só pararia ao raiar do dia novo. O sol não nasceria à toa. Seria um dia melhor... Mesmo que de branco fosse. Seria melhor...