quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O menino e o sonho xxxxxxx Fui dormir completamente bêbado. Felicidade alcoólica, à toa. Sono profundo. Sonhei com uma esquina cheia de guris. Era escuro, e sem óculos não definia bem as fisionomias. Um deles ligeiro segue em minha direção. Completamente contraído, sem saber, armo a retaguarda. Vício de cidade grande, descontrolada mesmo, sabe! Esticou os braços e depois mostrou uma perna de tesoura presa a uma correntinha de latão: tira pra mim tio? Dizia. Quando por fim separadas a meia tesoura da corrente esticou um sorriso alvo de arcada impecável, perfeita, retornando... A roda onde o tudo começara... Tantas vezes pensei naquele menino e no que poderia tudo aquilo representar que perdi as contas até queimar o lápis. Tudo sugestionava algo; e o hábito antigo de reinterpretar sonhos me levavam a crer numa fronteira entre o subconsciente e outras aberturas. O que se poderia ou não atravessar sem culpa... Quem julgaria o que dormindo não se controla? A perna única de uma tesoura sem ponta, que se rompia da frágil corrente. O prisioneiro que de si desata o laço e se arremessa, sem contar os metros... O que fotografamos com a alma e guardamos em tão profundos abismos? Porque nos lembramos daquilo que tanto deveríamos esquecer? Quem é o cobrador de Deus, que até a noite inconsciente invade? Contratai-vos senhores feudais do empresariado moderno ditado por regras de tributação. É um gênio...! Pensei ali, onde estava Estamira e seu mundo de lixo? Gostaria de conhecê-la e pregar-lhe um abraço fétido de perfume. Num imenso depósito batizado de “lixão”, o que seriam odores de perfume? Qual a tradução de um frasco colorido naquele lugar, ou quantas pernas de tesoura haveriam por ali? Quem escondera a primavera ? Ou seria o prenuncio das flores de plástico! Onde estava aquele menino dessa vez? Procurava e traduzia analfabeta e louca, o que minhas frases esquadrinhavam por toda a vida. Era a heroína do curta-metragem em que me achei traindo a pátria. Em casa, sem gritos e algazarra. Subtraindo a miséria pelo excesso de idéias, sem atitudes... Pensava que o termo inclusão social e o desordenado crescimento paralelo deveriam oficializar em definitivo nova nomenclatura. Quando não funcionar o elevador social, o condomínio orientá-lo-á ao seguinte. Ao de serviço... Ao anti-social, seja pela forma gramatical, ou pelos moradores que votam em surradas reuniões de proprietários... Pensei poder adornar uma possível tradução as Estamiras, e suas dissidências. Se justo fosse o modelo, não estariam ali. Talvez plantando árvores com lama suja que não é chorume. Optei por isso redirecionar a lente ocular para guardar aquilo que a memória alcançasse, e que de fato, significativo fosse. Era a minha homenagem a este universo e abrir mão de certos supérfluos em nome de um particular protesto pacífico contra o igualitário fora da validade. Lembro quando pisei em Londres pela primeira vez e quase comprei uma jarra de cobre encontrada nos desertos do Paquistão. Agradeci uma foto e troquei o objeto pela vida cultural que era oferecida. Quando rezo e brindo com Deus, dali escorre o vinho. Carregaria isso ao longo da vida. Me esqueci de tanta gente... Daquela jarra de cobre jamais!... E do menino de sorriso alvo e pele escura, de arcada perfeita, que me pedia favores e não pertencia a nada... E uma Estamira que poderia ser promovida a adjetivo, um jarro de cobre de lembranças bebidas, e a perna que faltava, para finalmente sair correndo...