sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ângelo //
Conheci os filhos de Ângelo. O menino era ótimo e a outra, quase mocinha, desfilava suas manias pré-adolescentes. A esposa trabalhava na casa dos outros. Mulata clara de sorriso fácil. Que fazia carne assada com gosto de restaurante. E o cara. Tinha por natureza um raciocínio matemático fantástico. Fosse à prática do controle de almoxarifado, ao vício eterno da jogatina de rua. Morava no pé do morro e lecionava com informalidade ímpar e olhos estrábicos. Reforçava o estudo da comunidade e fazia rir. Uma voz metálica que soava longe. Certo dia a casa ruiu. Os rins anunciaram falência e daí para a diante, um mês num CTI do estado. Passado o susto e ainda abatido, se aposentava para viver um pouco mais de calmaria. E vivia, e jogava, e se cuidava pouco, até que novamente retornasse ao mesmo hospital... Em três dias aproximadamente, suspiraria pela última vez, numa madrugada de chuva. Um grito, e as lágrimas da família... Adentra o recinto a “madama” loura, com ares de patroa – e era! - Conversava com o guarda porque liberação de cadáver é caso de polícia! E vai, e vem... Até finalmente a parada seguinte, que era a capela do São João Batista... Chegavam às pessoas com lágrimas de lava e olhos de vulcão. Transbordavam quentes. Eram da capoeira! Uma tradição passada a gerações. E os amigos do jogo e a comunidade. Abraço depenado e olhares descompassados, só em casa de bolso cheio. Ali, pra turma que luta nos transportes coletivos, e engorda o caldo de feijão com água porque tem visita, cada um compartilhava as dores da viúva com uma inatingível dignidade. Coisas que não se compram, percebe? Não tem preço tabelado, ou pode ser malocada em fundo de caminhão, ou entre pedaços de ossos e carne... Passadas as horas, segue o cortejo rumo à cova. Na verdade uma destas gavetas acopladas ao barranco. O morto vestia a camisa do flamengo e o povo, em procissão, se ajeitava para a última salva de palmas. Tragédia a parte, uma voz anônima e rouca, sussurrava: anota o número da tumba porque era um sujeito de sorte. Amanhã faço minha fezinha no bicho!... Por sua vez, a senhora loura exaurida e cansada do dever cumprido e das horas não dormidas se Despede do grupo e no derradeiro abraço, escuta um sonoro obrigado do guardador de carros que dizia enfático nada ter a ver com a pendenga, mas que lisonjeado estava... A última, é que o baile funk parou num profundo minuto de silêncio... É amigo, novamente; Isso não é pouca coisa não! Se a maioria dos ilustres leitores, com certeza nunca foi ao “bati-dão”. Com certeza outra e maior ainda, afirmo que nunca soube de ninguém, afora polícia ou dono de “boca”, que fora capaz de calar um baile inteiro. Isso para honrar, o “anonimato” do filho ilustre... E para concluir, acompanhava o primeiro nome Máximo. Que na pressa de viver, preferia responder somente pelo apelido de três letras. O tempo era curto, e creio que ele soubesse disso tudo. Gostava de matemática...