terça-feira, 17 de agosto de 2010

Mãe // Deus presenteara minha mãe com uma miopia mega, seguida de significativa quantidade de estigmatismo. Defeito de fábrica para justificar uma peculiar leitura da vida, que simplesmente acontecia, e mais tarde viria a entender. Muitos anos depois reverteram sua doença em mais de noventa e cinco por cento. É mestre, trabalha a energia através das mãos. Acalma e observa. Músculos, comportamento, formato de ossada. Olhos de raios-X numa tradução quase Braile. Também é doutora em literatura com médias excepcionais! Lera e se formara com olhos de cego, e lentes imensas. Depois, enxergaria até demais... Embasaria de informação a prática de um universo ao qual se atiraria. Inteira! E lá se iam mais da metade de uma vida. Um invólucro recheado de altos - muito alto! - e lutas... Mas existiram anos cujas dificuldades provinham de outras histórias, falências e relacionamentos mal desfeitos com suas porções de tristeza e seqüelas. Consegui de alguma forma fugir da própria sombra, e chorar junto... Lágrimas de mãe... Sobre toda austeridade de meu pai, me defendi. Sem jamais calar o que considerava justo abortei minha quilometragem para entender o que carregava. E me protegia atrás dos versos; escritos não pagavam contas, mas valiam ouro. E me tranquei num mundo vazio para desanuviar de tudo. E... Daí! A quem poderia interessar da onde... Venho? Continuo escrevendo e permanecerei crendo que todo procedimento artístico tem sua parcela de alforria, apesar da renda também fazer parte do processo. Sou um sonhador! Fazer O que? A “esbórnia” durante uma quadra de tempo acalentara meu fardo; dela supri todo plantio. E puni minha alma durante anos como quem compromete a existência em nome de percepções e da própria tradução turva das coisas comuns. Produzi espetáculos em botequins. Inventei e vi personagens que não conhecia e olhavam acima dos óculos. Uma deselegância única, talhada em mesa de jantar, escola particular. Quantos professores daquilo que nunca quis para ninguém!... Simulando o que não desejava, observando em silêncio e aprendendo com relacionamentos errôneos, vazios. Aprendi que a essência é perfumada e vil... E percebia o que se sabia. Ninguém tira sujeira encruada em poro de burro velho. Tão pouco se ventila paisagem para quem viveu menos tempo. Estrada para andar, passar, ou desviar. Sinalizar, a certa altura tornara-se quase um assalto intelectual. São caminhos e precisavam ser pisados. Se eles realmente não sabiam o que estavam fazendo, ou, o que fazer... Perdoa... Não sabiam das mãos de minha mãe e o que era aquela energia. Aliás, pareciam não entender nada sobre assunto algum. Nem de livros!... Há certo altruísmo em desuso e, se não me engano, tão pouco fora sorteada a miopia da família. Mas ando mesmo pessimista... Achava estranho, pois tive tudo, absolutamente tudo o que aquela arrogância insistia em desfilar. Era como se pisassem um tapete vermelho que nunca existiu. Almejar na cor, o que era absolutamente remediável a textura. Lamentável! Pensava naquelas pessoas e na notícia do jornal que anunciava uma nova ordem editorial para simplificar a palavra escrita. Como se as preces emburricadas daqueles passantes fosse ouvida. Mal sabiam falar! Abastados e indigentes! Eram maltrapilhos da língua, bem vestidos, de exigência envelhecida, ultrapassada! Qualquer coisa como super-homem sem hífen e h. Imagina, meu! Acredito até que a doutora em literatura, esqueceria num hiato único toda a tradição de paz e interiorização, e sucumbiria a verborrágico e fulo discurso se visse a estampa de tal atrevimento!... Mas acontecerá... Existiam modas e termos que índios e negros carregaram até a cova. Era desrespeitar a história de cada, e somente aos fatos, se remete a língua e seus porquês. O resultado de uma matemática gramatical inteira adulterado pela nova desordem. Valham-me deuses e todos os santos. Perdoe essa turba! Não sabem da energia. Não são uns filhos da mãe... Eu sou!